4 de dezembro de 2008

CRIANÇA 44 de Tom Rob Smith


Quando o medo silencia uma nação, alguém precisa falar a verdade.

União Soviética. 1953. A mão de ferro de Stalin nunca esteve tão impiedosa, reforçada pela Segurança do Estado – polícia secreta cuja brutalidade não é segredo para ninguém. Em seu governo, o líder soviético faz o povo acreditar que o país está livre de crimes.
Mas quando o corpo de um menino é encontrado nos trilhos de uma ferrovia, Liev Demidov – herói de guerra e agente do Estado – se surpreende ao saber que a família da vítima está convencida de que a criança fora assassinada. Os superiores do oficial ordenam que ignore a suspeita, e ele é obrigado a obedecer. Mas o agente desconfia de que há algo muito estranho por trás do caso.
De uma hora para outra, Liev coloca em dúvida sua confiança nas ações e políticas do Partido. E agora, arriscando tudo, o agente se vê na obrigação de ir atrás do terrível assassino – mesmo sabendo que está prestes a se tornar um inimigo do Estado.


O livro retrata a vida na antiga URSS de uma forma muito realista. Mostra como era terrível se viver sob o regime comunista, principalmente na época de Stalin. Não se tinha direitos, somente deveres. O medo e a desesperança eram o dia a dia das pessoas. Tudo o que você tinha ou era poderia lhe ser tirado de uma hora para outra. Bastava uma denúncia, uma suspeita...

Liev acreditava fielmente nas políticas do Estado. Ele cumpria sua obrigação com eficiência e sem questionar as ordens. Era um idealista. Para ele, as pessoas que ele prendia ou perseguia eram mesmo traidoras do sistema. Eram pessoas que queriam ver o fracasso da Revolução. Assim, quando o filho de um de seus subordinados é encontrado morto próximo à ferrovia, ele segue as ordens de seu superior e convence à família que foi um terrível acidente. Ele não aceita quando dizem que a criança foi encontrada nua, com o torso destroçado e a boca cheia de terra. No relatório estava escrito que a criança foi encontrada vestida e todos os outros fatos estavam bem explicados. Não se admitia que existissem crimes na URSS. Se todos eram iguais para que haveria roubos ou assassinatos?

Mas, quando se descobrem mais dois corpos de crianças mortas exatamente da mesma maneira, Liev acredita estar diante de um assassino frio. E a política do Estado em não querer investigar por não aceitar a tese de que há um criminoso a solta, faz com que ele comece a questionar tudo em que sempre acreditou. Como permitir que um assassino continue a matar impunemente, enquanto inocentes – mendigos, loucos, bêbados – pagavam por esses crimes?

Gostei muito do livro. É um livro que nos faz imaginar como alguém pode sequer pensar que o Comunismo é uma boa opção de governo. A forma como o povo é tratado, maltratado melhor dizendo, pelo Estado que se diz ser sua voz, é de uma violência irreal. As perseguições políticas, os agentes infiltrados, as torturas, as prisões, enfim, você vive sem poder confiar em ninguém, sem poder expressar seus pensamentos e sentimentos. Apesar disso tudo, Liev acreditava estar fazendo a diferença. Ele realmente acreditava na Revolução e no Partido. Essa era a principal diferença entre ele e Raissa, sua esposa. Ela via a realidade e se adaptava a ela. Liev via a utopia e agia de acordo com ela.

Achei que o livro tem uma atmosfera claustrofóbica – principalmente por se passar no inverno já que o frio e a neve ajudam a conferir essa característica à trama. Havia traições e perigos em todos os lugares. O Estado estava presente para calar as vozes que iam contra suas pregações. Mas não ajudava a investigar e a prender um assassino de crianças.

Mas o principal é que todo o livro é uma surpresa sem fim. Jamais imaginei que fosse acontecer o que de fato acontece. O assassino e seus motivos – sim, porque ele tinha um motivo - me surpreenderam muitíssimo.

Alguns trechos que achei muito interessantes e mostram o clima do livro:

"... Em volta, os presos ouviam, inexpressivos, as acusações de AKA, KRRD, PSh, SVPsh, KRM, SOE OU SVE, siglas indecifráveis que decidiam o resto de suas vidas. As sentenças eram pronunciadas com indiferença profissional.

Cinco anos! Dez anos! Vinte e cinco anos!

Mas ela precisava desculpar a dureza daqueles guardas – estavam sobrecarregados de trabalho, tinham de lidar com tanta gente, atender tantos presos. À medida que as sentenças eram dadas, ela notava a mesma reação em quase todos os detidos: incredulidade. Será que aquilo era verdade? Parecia um pesadelo, como se tivessem sido arrancados do mundo real e jogados num outro, totalmente novo, onde ninguém sabia direito quais eram as leis. Que leis regiam aquele lugar? O que as pessoas comiam? Podiam tomar banho? Como se vestiam? Eram recém-nascidos sem ninguém para protegê-los, nem para ensinar as leis."



"As turmas tinham muitos alunos e teriam mais ainda não fosse a baixa que a guerra causara nos índices demográficos. Senão, ela conseguiria lembrar o nome de cada aluno para mostrar que se interessava por cada um, individualmente. Mas sua memória para nomes esbarrou numa inquietação peculiar: a impressão de que isso trazia uma ameaça implícita.

Se decoro seu nome, posso denunciar você.

Aquelas crianças já haviam percebido o valor do anonimato e Raissa notou que preferiam receber o mínimo de atenção pessoal. Em menos de dois meses, parou de chamá-los pelo nome e passou a apenas apontá-las."



"- Tenho certeza de que acabarei dizendo o que você quer, mas por enquanto digo o seguinte: eu, Anatoli Tarassovich Brósdski, sou veterinário. Daqui a pouco seus arquivos vão dizer que sou espião. Você vai ter minha assinatura e minha confissão. Vai me obrigar a dar nomes de pessoas. Haverá mais prisões, mais assinaturas e mais confissões. Mas, o que quer que eu acabe dizendo a você, será mentira porque sou um veterinário.

- Não é o primeiro culpado a afirmar que é inocente.

- Você acredita mesmo que sou espião?

- Só por essa conversa, posso acusar você de subversão. Já deixou bem claro que detesta este país.

- Não detesto. Você é que detesta. Detesta o povo deste país. Senão, por que prenderia tantas pessoas?

Liev ficou impaciente.

- Sabe o que vai acontecer se você não falar?

- Até as crianças sabem o que acontece aqui dentro.

- Mas continua se recusando a confessar?

- Não vou facilitar isso para você. Se quer que eu diga que sou espião, terá de me torturar.

- Esperava não precisar disso.

- Acha que pode continuar um homem de bem? Vá pegar suas facas. Pegue o seu jogo de ferramentas. Quando estiver com as mãos cheias do meu sangue, vamos ver se você é justo.

- Só preciso de uma lista de nomes.

- Nada resiste a um fato. Por isso você tem tanto ódio aos fatos. Eles irritam. Por isso posso lhe irritar ao dizer simplesmente que eu, Anatoli Tarassovich Bródski, sou veterinário. Minha inocência lhe irrita porque você quer que eu seja culpado. Quer isso porque me prendeu."

2 comentários:

Gabi Mendes disse...

Acabei de ler este livro e achei fantástico!Gostei muito! Ótima resenha!

www.gabymenddes.blogspot.com

Anônimo disse...

Ótimo livro, comprei "sem indicação" dei um voto de confiança a esse novo autor e não me arrependi, clima tenso do início ao fim! Nota 10!