São duas horas da manhã em Sydney quando Hanna Heath, uma conservadora de livros, é acordada por um telefonema que lhe traz excelentes notícias. A Hagadá de Sarajevo, raro manuscrito judeu medieval desaparecido em 1992, durante a guerra civil, foi reencontrada na capital da Bósnia. E Hanna foi a escolhida pelas Nações Unidas para estudá-la e restaurá-la para uma exposição.
A Hagadá é uma obra-prima única, que nasceu e sobreviveu por séculos apesar do anti-semitismo e até mesmo da própria doutrina judaica. Para começar, aquele exemplar ricamente iluminado do livro que recontava o Êxodo para as famílias judaicas na celebração do Pesach não devia ter sido criado. Afinal, contrariava cânones religiosos da época, que proibiam qualquer tipo de ilustração.
Só isso já fazia da Hagadá uma raridade. E propunha um de seus maiores enigmas: por que e por quem fora feita? Mas o fato de ter sobrevivido a séculos de perseguições e intolerância religiosa na Europa trazia outros mistérios. Como atravessara a Inquisição Espanhola? O que significavam aquelas anotações do século XVII em suas páginas? Como se salvara da perseguição nazista?
Excitada com a maior oportunidade de sua carreira, Hanna chega a Sarajevo cheia de perguntas. Qual seria o estado do livro? Como fora salvo? Por que mãos passara até chegar às dela? Por que um bibliotecário muçulmano tinha se arriscado tanto para mantê-lo em segurança?
À medida que se aprofunda no exame das páginas em pergaminho envelhecido, Hanna luta também para solucionar seus problemas pessoais. Envolve-se com o bibliotecário muçulmano responsável por ocultar a Hagadá na última década e esforça-se para melhorar seu relacionamento com a mãe, uma neurocirurgiã respeitada que despreza a filha por ter trocado uma carreira médica pelos livros. Da encadernação carcomida da Hagadá, Hanna retira pistas minúsculas que começam a lhe dar as respostas que tanto buscava.
Uma mancha de vinho, cristais de sal, um pêlo branco, uma asa de inseto... Cada um desses detalhes leva Hanna e os leitores a um lugar distante, povoado de personagens únicos cuja história se mistura à da Hagadá.
As memórias do livro é uma jornada inteligente e bem construída rumo ao passado, para desvendar os segredos de um livro. Um romance marcante e erudito, com o ritmo cativante de um mistério inesquecível que só uma autora com o talento da vencedora do Pulitzer, Geraldine Brooks, poderia criar.
Um livro sobre um livro muito especial – a Hagadá de Sarajevo. A Hagadá é um livro que os judeus usam durante o ritual de Páscoa. Essa é especial pois tem ilustrações, como os Livros de Horas cristão. Para os judeus, era proibido ilustrações, pois eram consideradas imagens. Então como explicar um livro judeu medieval, ilustrado e que sobreviveu à Inquisição, aos Nazistas e à guerra civil na Bósnia?
Hanna é chamada para fazer a conservação do livro. Ela é uma especialista em pergaminhos e livros medievais. É interessante o modo como ela descreve os diferentes materiais e como eram obtidos naquela época. Analisando a Hagadá ela encontra uma asa de borboleta, manchas de vinho, cristais de sal e um pêlo branco. Todos esses achados nos conduz ao tempo e local onde foram acrescentados à história do livro e colaboraram para sua confecção e sobrevivência.
Tem uma frase de Hanna que eu adorei:
“…. Restaurar um livro ao que ele era quando foi feito é falta de respeito por sua história. Penso que temos de aceitar um livro da maneira como o recebemos das greações passadas; e, até certo ponto, os danos e o desgaste refletem essa história. Do modo como vejo, meu trabalho é torná-lo estável o suficiente para que possa ser manuseado com segurança e estudado, só consertando o que for absolutamente necessário. Isto aqui, por exemplo – expliquei, apontando para uma página onde uma mancha avermelhada encobria a candente caligrafia hebraica. – Posso tirar uma amostra microscópica dessas fibras, e nós podemos analisá-las e talvez aprender o que causou essa mancha; minha primeira hipótese seria vinho. Mas uma análise completa poderia fornecer pistas de onde o livro estava quando aconteceu isso. E, se não formos capazes de desvendar isso agora, talvez daqui a cinquenta ou quinhentos anos, quando as técnicas de laboratório estiverem mais avançadas, meu colega no futuro o fará. Mas se eu apagar quimicamente essa mancha – o tal “dano” –, perderemos a chance de conhecer o fato para sempre.”
O livro mostra essas diferentes descobertas e em cada história vemos personagens que sofrem e lutam e sobrevivem. O povo judeu sofreu perseguições terríveis e foram tolerados e explorados, mas seguiram em frente. Assim como a Hagadá! Creio que se pode traçar esse paralelo: a luta pela sobrevivência do povo judeu com as diferentes provações enfrentada pelo livro.
Outro ponto de destaque: por duas vezes – na Segunda Grande Guerra e na Guerra da Bósnia – foram bibliotecários muçulmanos os responsáveis pela proteção e guarda da Hagadá. Isso mostra muito bem a tolerância entre os povos. Sempre imaginamos Judeus e Muçulmanos como inimigos naturais, mas há respeito entre eles. O ódio está no coração dos radicais e dos fanáticos.
Intercalando as histórias, temos Hanna e sua própria luta. Como conviver com a mãe que não aceita ela ter se voltado para essa carreira ao invés da medicina. O sentimento despertado por Ozren Karaman, o bibliotecário chefe do museu e responsável pela proteção da Hagadá e, principalmente, a luta que trava consigo mesma. Ela tem uma difícil escolha e isso muda todo o rumo de sua vida.
Um livro grandioso e que te transporta para épocas e lugares muito bem descritos, com personagens fascinantes e muito humanos e um final que eu, sinceramente, não esperava. Recomendo!!!
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